[Resenha] O Amanhã Não Está à Venda - Ailton Krenak


Apesar das diferenças entre Krenak e Yuval, existem pontos semelhantes no pensamento. É interessante observar isso, pois Yuval tece uma crítica pesada na falta de colaboração e consenso nesse momento complicado. Krenak por sua vez, apesar de mostrar a situação da pandemia vista pelos olhos de alguém próximo a natureza, encontra o escritor israelense em diversos momentos de sua colocação. Isso mostra uma coisa: Não importa o onde você esteja, não importa quem você seja, o que importa é que pense, analise e reflita de modo crítico, profundo e entenda que essa é uma luta coletiva”.
(Jefersson de Campos, Escritor Paranaense)



Apesar do mundo encontrar-se preocupado (e com razão) com a pandemia de Sars-coV-2, ou Covid-19, existe algo bom frente a tudo isso: a possibilidade de encontrarmos tempo para ler, e principalmente, a possibilidade de depararmos com autores e pensadores que não conhecíamos até então. No meu caso, as duas primeiras resenhas desse blog se enquadram nesse último aspecto: Yuval, era um escritor que eu já conhecia e sabia de sua importância, porém, nunca li nada do mesmo, e o ensaio "Na Batalha Contra o Coronavírus, Faltam Líderes À Humanidade", foi meu primeiro contato com suas ideias. 

A atual resenha, também é de um ensaio de um ambientalista brasileiro que eu ainda não conhecia literariamente, e a obra "O Amanhã Não Está à Venda" é o meu primeiro contato com Ailton Krenak.
Krenak é um líder indígena, pertencente a etnia crenaque, ambientalista e escritor mineiro, nascido no ano de 1953, sendo conhecido mundialmente como uma das maiores lideranças indígenas do nosso país, possuindo também o título Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal de Juiz de Fora, no ano de 2016. 
O autor organizou a Aliança dos Povo da Floresta, que reúne comunidades ribeirinhas e indígenas na Amazônia. Ademais, é comendador da Ordem do Mérito Cultural da Presidência da República.

                                                       

O AMANHÃ ESTÁ À VENDA?


Dou início com uma pergunta, pois, Krenak no título de seu artigo afirma que o Amanhã não Está à Venda, logo, em sua visão de mundo, algumas pessoas acham ou tentam vender o amanhã, mas o que seria isso? Para responder, utilizo-me de um trecho escrito pelo autor:
[...] Há muito tempo não programo atividades para "depois". Temos de parar de ser convencidos. Não sabemos se estaremos vivos amanhã. Temos de parar de vender o amanhã". (KRENAK, 2020, posição 75, kindle).

O autor levanta um questionamento muito interessante e reflexivo, principalmente para os dias atuais: o convencimento humano. 

Nos infelizmente acham que possuímos o controle de tudo. Alguns acham que possuem o controle das pessoas, outros das máquinas, outros sobre o presente e outros sobre o futuro, porém, a realidade é cruel, ela mostra que ninguém controla nada, nem ao menos a própria vida, a comprovação disso é que a natureza fez o mundo parar. A natureza fez as pessoas perderem o controle sobre as outras, sobre as máquinas, sobre o presente e sobre o futuro. Porém, vender o amanhã pode ser a única escolha para muitas pessoas. 
Krenak em um dos trechos de seu artigo faz citação de um pensador que particularmente gosto muito: Michel Foucault.

[…] Michel Foucault tem uma obra fantástica, Vigiar e Punir, na qual afirma que essa sociedade de mercado em que vivemos só considera o ser humano útil quando está produzindo. Com o avanço do capitalismo, foram criados os instrumentos de deixar viver e de fazer morrer: quando o indivíduo para de produzir, passa a ser uma despesa. Ou você produz as condições para se manter vivo ou produz as condições para morrer.” (KRENAK, 2020, posição 75, kindle).

Como visto, muitas pessoas acham que possuem o controle do amanhã, sendo que muitas outras o vende, porém, quando a natureza resolve pedir um tempo, as pessoas deixam de produzir. Os que achavam que tinham o controle, não mais o tem. E os que produziam passam a enfrentar dificuldade, pois, o controle nunca existiu, pois, se existisse, o mundo não pararia. Os empregados, como não produzem, passam a virar um fardo: por qual motivo pagar um empregado que não produz? Por qual motivo pagar um empregado me ajuda a entregar o amanhã que vendi, se ele não me ajuda agora? Enfim, ai o empregado passa a ser uma despesa e já sabemos o que acontece.

Na primeira resenha publicada no blog: "Na Batalha Contra o Coronavírus, Faltam Líderes À Humanidade" , cheguei a conclusão de que a falta de líderes espera em diversos aspectos, sendo que um dos principais é a falta de entendimento de que os líderes devem guiar a humanidade para um local comum, um bem comum. Krenak, partilha de uma ideia semelhante a Yuval:
[…] Essa dor talvez ajude as pessoas a responder se somos de fato uma humanidade. Nós nos acostumamos com essa ideia, que foi naturalizada, mas ninguém mais presta atenção no verdadeiro sentido do que é ser humano. (KRENAK, 2020, posição 23, kindle).
Outro ponto levantado por Yuval em seu ensaio, que é defendido por Krenak, é o atendimento as pessoas que vivem em situação de miséria, chamada pelo ativista brasileiro de “sub-humanidade”. É notório se deve olhar para a população mais carente e buscar atender suas necessidades, e não tornar sua pobreza e miséria como algo natural. 
A doença que enfrentamos deve ser combatida por todos, mas não se pode contar que a população que se encontra em situação de miséria na sociedade, irão contribuir para o combate da doença, afinal, muitos não possuem nem água, ou melhor, nem um copo d’água. Seria utópico pedir para que lavassem as mãos.
[…] Esse vírus está discriminando a humanidade. Basta olhar em volta. O melão-de-são-caetano contínua a crescer aqui do lado de casa. A natureza segue. O vírus não mata pássaros, ursos, nenhum outro ser, apenas humanos. Quem está em pânico são os povos humanos e seu mundo artificial, seu modo de funcionamento que entrou em crise. (KRENAK, 2020, posição 34, kindle).
Realmente a situação atual afeta e apavora os humanos, porém, sou um pouco cauteloso para afirmar categoricamente que o modo de funcionamento do mundo entrou em crise e que tudo deve ser mudado. Concordo que boa parte do modo de vida deve ser modificado, porém, estamos enfrentando essa crise tem pouco mais de 4 meses, no meu ponto de vista, ainda é cedo para afirmar que todo o modo de funcionamento precisa ser alterado, porém, deve-se além de lutar contra o vírus, tentar identificar pontos que deram errado e que devem ser alterados. Mudanças drásticas de uma hora para outra, nem sempre dão resultados satisfatórios, uma vez que, o modo de vida mesmo que esteja errado, acaba afetando o lado mais fraco da corda, por isso, mudanças devem ser feitas, mas com humanidade.
[…] Vemos algumas pessoas defenderem a manutenção da atividade econômica, dizendo que “alguns vão morrer” e é inevitável. Esse tipo de abordagem afeta as pessoas que amam os idosos, que são avós, pais, filhos, irmãos. É uma declaração insensata, não tem sentido que alguém em sã consciência faça uma comunicação pública dizendo “alguns vão morrer”. É uma banalização da vida, mas também é uma banalização do poder da palavra. Pois alguém que fala isso está pronunciando uma condenação, tanto de alguém em idade avançada, como de seus filhos, netos e de todas as pessoas que têm afeto uns com outros. Imagine se vou ficar em paz pensando que minha mãe ou meu pai podem ser descartados. Eles são o sentido de eu estar vivo. Se eles podem ser descartados, eu também posso. (KRENAK, 2020, posição 65).
Eu concordo em gênero, número e grau com Krenak, porém, além de escritor e professor, sou também bacharel em direito… Momento de fazer o “advogado do diabo”… 
Igualmente a você que chegou até aqui, eu também tenho pessoas queridas que estão no grupo de risco, e isso me preocupa, assim como preocupa você e preocupa Krenak, porém, como disse que iria ao menos aqui fazer o papel de “advogado do diabo”, vamos lá. Analisando duas leis importantes no Brasil, a Lei 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente) e a Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), ambas pregam a proteção integral, tanto da criança e adolescente, quanto do idoso, bem como a prioridade absoluta, principalmente no acesso à saúde. Logo, analisando o ponto legal, tanto o jovem, como o idoso, possuem prioridade no atendimento e acesso à saúde. Porém, tanto no Brasil, como em praticamente todos os países do mundo, se o hospital tem uma vaga na UTI e chega uma criança/adolescente e um idoso, com o mesmo quadro clínico de gravidade, a prioridade será da criança/adolescente, pelo fato de ser uma pessoa em desenvolvimento. EU não me sinto bem apresentar essa informação, porém, é necessário apresentar, infelizmente… infelizmente. 
Para que o quadro acima mude, é necessário que os líderes apareçam (como bem relata Yuval) e que percebam que é necessário mudar (como bem relata Krenak), principalmente, atendendo de modo satisfatório todas as pessoas, pois, como já vimos em resenha anterior, se você cuida de um grupo, você protege outro. Assim, os governantes devem aumentar sua estrutura hospitalar, para que no futuro, em outras crises sanitárias, que infelizmente vão acontecer, o mundo esteja mais preparado, principalmente para não jogar na mão dos profissionais da saúde, o voto de minerva sobre quem salvar. Atender a todos é possível, basta querer e se preparar estruturalmente para isso.

“Tomara que não voltemos à normalidade, pois, se voltarmos, é porque não valeu nada a morte de milhares de pessoas no mundo inteiro”. (Ailton Krenak).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O artigo “O Amanhã Não Está a Venda” foi meu primeiro contato com Ailton Krenak. Lendo suas ideias, percebi o quanto temos culturas diferentes, porém, como elas se conectam de um modo interessante. 
Entretanto, apesar de concordar com praticamente todo o artigo, que pode ser lido tranquilamente em 15 minutos, muitas partes me deixaram pensativo, tendo que recorrer a um amigo para dividir alguns pontos que eu julgava ter interpretado errado. 
Um dos pontos mencionados acima encontra-se presente logo no final do artigo, onde o autor, após debater brilhantemente sobre a situação atual, menciona: 

“Depois disso tudo, as pessoas não vão querer disputar de novo o seu oxigênio com dezenas de colegas num espaço pequeno de trabalho. As mudanças já estão em gestação. Não faz sentido que, para trabalhar, uma mulher tenha de deixar seus filhos com outra pessoa. Não podemos voltar àquele ritmo, ligar todos os carros, todas as máquinas ao mesmo tempo”. 

Apesar de concordar com o pensamento do autor, principalmente quando o mesmo diz que não podemos voltar ao ritmo anterior e que mudanças devem ser feitas, acho que o ponto: “não faz sentido, que para trabalhar, uma mulher tenha de deixar seus filhos”; deveria ser melhor aprofundado, pois, pode gerar múltiplas interpretações, sendo que foco em duas: a cultura patriarcal indígena, no qual o homem possuí a obrigação de caçar, plantar, colher e assim sustentar “economicamente” a família, enquanto a mulher sustenta o lar. E a possibilidade da sociedade encontrar formas de inserir e manter a mulher no mercado de trabalho, sem que para isso seja necessário se afastar dos filhos. Seja qual for a ideia, acho que o autor deveria focar em um aprofundamento e em uma explicação mais clara. 
Além do ponto levantado acima, outro ponto que me incomodou um pouco foi a falta de soluções. Sabemos que o mundo não será o mesmo, porém, mudar 100% de uma hora para a outra, não é, no meu ponto de vista, uma solução viável, sendo necessário que as mudanças sejam estudadas e implantadas gradualmente. Assim, senti falta de possíveis soluções para que o mundo não venha sofrer no futuro, logo, os dois pontos mencionados, me incomodaram um pouco, porém, a leitura continua sendo recomendada, principalmente por levantar pontos de reflexões e debates.


NOTA

3,5 de 5 Joysticks!

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